domingo, julho 9


Composição a partir de caracteres do Guia Profissional do Tipógrafo, Manuel Pedro, ed. Imprensa Moderna, 1949.

Tour Sucesso I

segunda-feira, julho 3

Discursos invisíveis

A dicotomia Bem/Mal, Ordem/Desordem, era muito
utilizada nas linguagens do Estado Novo. Neste
período, os cartazes eram, por um lado, bastante
imediatos, com palavras de ordem fortes e determinadas;
e por outro, as ilustrações eram narrativas e
faziam uso de elementos simbólicos muito queridos
ao regime, como os elementos religiosos, nacionalistas,
rurais... As mensagens são claras: o Estado Novo
resolve os problemas segundo uma ordem racional,
política, técnica e económica. José Gil, no seu livro,
Salazar: a retórica da invisibilidade, fala no discurso
salazarista como narrativa da salvação, dizendo que
as imagens construídas são nuas no sentido em que
estão separadas da linguagem verbal que lhe corres -
pondem. Ao mesmo tempo que o discurso salazarista
apelava para a cura do país, também se proponha a
renová-lo, a modernizá-lo. Por isso, António Ferro,
sabia que uma imagem de modernidade formal era
importante na transmissão da Política do Espírito. Assim,
chamou para materializar este projecto as figuras
marcantes do Modernismo Português.
O discurso do Estado Novo assentava numa
lógica de cura, o país tinha problemas que eram resolvidos
com rigor e racionalidade. De alguma forma,
o Modernismo foi usado neste sentido. Se quisermos
analisar a estética do Estado Novo sobre a direcção de
António Ferro, de um ponto de vista meramente formalista,
e quando comparado a períodos posteriores
(pós- 25 de Abril), podemos concluir que, a produção
gráfica deste período é bastante emblemática e são
exemplos paradigmáticos.
Ainda hoje, há um enorme saudosismo em
relação a objectos gráfi cos deste período. Porquê?
É estranho: se por um lado lidamos muito mal com
este período da nossa história (temos medo de citar,
de escrever, com medo de sermos mal interpretados
politicamente) por outro lado há em nós um certo
enternecimento quando nos deparamos com objectos
de uma casa portuguesa adormecida num Portugal rural
e saloio.
“Não é possível construir de uma imagem nacional asséptica,
à margem de toda a hipótese ideológica, ou, se
se prefere, de qualquer preconceito explícito. Mas, justamente
por isso, nada é mais necessário do que rever,
renovar, suspeitar sem tréguas as imagens e os mitos
que nelas se encaram inseparáveis da nossa relação com
a pátria que fomos, somos, seremos, e de que essas imagens
e mitos são a metalinguagem onde todos os nossos
discursos se inscrevem”Eduardo Lourenço
Fala-se na impossibilidade de criarmos imagens sem
ideologia, e como produzimos imagens fragmenta-
das sobre nós (indíviduos e país). Fragmentamos a
identidade nacional, ou sobrevalorizando certas partes,
mediante os projectos com que nos deparamos.
Menosprezamos grande parte da nossa produção ao
mesmo tempo que enaltecemos e importamos outras,
muitas vezes pela única razão de serem nossas ou por
serem internacionais. Isto poderá justificar-se com um
“desenraizamento histórico singular que só na aparência
é negado pela exaltação sentimental com que nos
vivemos enquanto portugueses” Eduardo Lourenço.

Olhando para as imagens deste período podemos pensar
na relação entre design e vanguarda. Os melhores
exemplos deste período levam-nos a pensar o quanto
o salazarismo era uma empresa com uma imagem sólida
e bastante convincente. Uma empresa de sucesso.
Uma estrutura forte que usava como principal forma
de manipulação e, segundo José Gil, o silêncio.
Nem mais. Parece contraditório. Salazar raramente
se retratava nas inúmeras imagens produzidas nesta
época. A construção das mensagens vinha maioritariamente
de jogos de significados, que apesar de pobres
na simbologia, porque repetitivos ou demasiado previsíveis,
eram de facto complexos na estrutura de leitura.
A leitura contrapunha dois cenários, Bom/Mau,
perguntando ao espectador qual preferia. A desgraça
ou a salvação? O caos ou a solução? A solução/
resposta surgia de imediato. A imagem nua que se
aloja no inconsciente, não é imagem visível, conduz
a um tipo de pensamento e por sua vez directiva de
acção muito imediato e “esclarecido”. Ainda hoje, e
também de uma forma inconsciente, está alojada em
muitas formas de comunicação e de construção de
narrativas/linguagens gráficas, tornando visíveis discursos
invisíveis.
No seguimento do texto anterior, ficou por dizer, o quanto a fotografia está afastada das Histórias da Arte Portuguesa, sendo esta uma omissão. A fotografia foi talvez o meio visual de maior eficácia na autentificação da mensagem do Estado Novo, tornando-se por isso favorita e recorrente; apesar desta presença marcante no desenvolvimento da imagética nacional, e da autonomia conceptual da Fotografia às Artes em geral, a afirmar-se nestes tempos, a ilustração leva sempre vantagem em estar presente quando se trata a afirmação de autores gráficos, cartazistas, designers-decoradores, paginadores, etc.
Mas, ficou sobretudo por mostrar de que imagens se fala.
Esta actualização fica prometida para breve.

domingo, julho 2

A fotografia e a Exposição do Mundo Português



“ A Exposição do Mundo Português de 1940 pretendia ser, nas palavras do seu Comissário Geral, Augusto de Castro, a Cidade Simbólica da História de Portugal. Por outras palavras, optara-se por revisitar o Passado, aproveitando a oportunidade para exaltar também o Presente. Em 1940 a Guerra rugia lá fora, mas Portugal estava orgulhosamente em paz. O revivalismo continua. Fala-se da nova Ponte Vasco da Gama, quer-se um auditório Camões, há portas do Oriente em Centros Comerciais ditos Colombo.
A Exposição do Mundo Português era o padrão, o documentário, a síntese pela imagem d(a nossa) história. No discurso inaugural, o Comissário acentuava que não era só a primeira vez que se realizava uma Exposição de História, como também era a a primeira vez, no Mundo, que se exp(unha), em imagens e símbolos, uma Civilização. A linguagem era apropriada à época e ao regime que então se vivia. O resultado, porém, era algo esquizofrénico. O discurso podia ser tonitruante e passadista, mas o que se podia admirar na esplanada dos Jerónimos era também a fina-flor dum certo modernismo em Portugal – a arquitectura de Carlos Ramos e Cristino da Silva, a pintura e design decorativo de Almada Negreiros, Milly Possoz, Fred Kradolfer e Carlos Botelho, a escultura de Canto da Maia e Hein Semke, etc. A memória que resta disto tudo é a Fonte Luminosa e os Cavalos Marinhos da Praça do Império, mais a reconstrução sólida do Monumento das Descobertas, de Cotinelli Telmo e Leopoldo de Almeida (os originais eram de estafe, estuque e papelão).”

“A Exposição do Mundo Português era um gigantesco álbum de imagens, um livro colorido de glórias, de figuras, de datas e de costumes destinado, como todas as fotografias, a desbotar com o tempo. Quase sessenta anos passaram. Os que a viram, já cá não estão, ou mal se lembram. Para outros, o excesso de retórica nacionalista mais as conotações fascizantes do evento eram recordações para esquecer ou, quando muito, para conservar num limbo de vergonha. Há, em Portugal, a tendência para apagar uma parte da história, enquanto se aviva outra parte. O sabor do ‘politicamente correcto’ não é de hoje. Mas a verdade é que não é possível des-conhecer aquilo que se conhece.”

"O SPN publica em 1934 um álbum fotográfico, Portugal 1934, uma mostra das obras e realizações do Estado Novo. António Ferro inaugurava assim a utilizição da fotografia como instrumento privilegiado de propaganda do regime e chama para a elaboração do seu álbum alguns dos fotógrafos portugueses mais importantes da época: Alvão, J. Martins, O. Bobone, J. Benoliel, H. Novais e Mário Novais, entre outros.
Em 1938, Salazar denomina-o de 1940 (Álbum panorâmico da obra do Estado Novo).
Finalmente, previsto no plano de publicações de 1938 para as Comemorações, como um Catálogo Monumental, ilustrado, da Exposição do Mundo Português, mas só editado em 1956, O Mundo Português. Imagens de uma Exposição Histórica. 1940."

Textos do catálogo de exposição, Mário Novais. Exposição do Mundo Português (1940), Fundação Caloust Gulbenkian, Arquivo de Arte do Serviço de Belas Artes 1998.