quarta-feira, setembro 20

ser do contra

Rick Poynor, escreve The time for being Against, este texto serviu de base a uma conferência da AIGA sobre história e crítica do design. Escreve ele que, em conversas com designers e colegas, frequentemente lhe dizem que a época para se ser do contra já era, que isso é algo que nos deixa infelizes e cultiva muitas inimizades, a vida é muito curta para perder tempo com coisas tão negativas. Esta conversa também nos é familiar. Sim, é verdade, ser do contra nunca fez bem a ninguém. As contra-indicações são penosas, causam mal estar. Os discursos do "diz bem" são cómodos, fáceis de escrever e evitam muitos aborrecimentos, deixando toda a gente satisfeita:

“Ao secretariado de propaganda nacional cabem outras funções e é dentro delas que tem que ser julgado a sua acção a favor dos artistas portugueses. Não somos pura e simplesmente
um orgão animador. Não consagramos: estimulamos.” – António Ferro.

Este texto de António Ferro, é pois exemplo de um texto “tal como a liberdade, a submissão é impossível sem este suporte ou, se quisermos, este excesso mítico, onde tiranos e revolucionários extraem instrumentos para a sua acção, ainda que num caso ela seja
opressora e no outro possa ser libertação.” (Diogo Pires Aurélio). O período da libertação a que se refere o excerto anterior, foi acima de tudo, uma oportunidade de cidadãos comuns poderem habitar as paredes das ruas com a sua revolta e a sua vontade de mudança. Por isso, muitos dos exemplos que escolhemos para ilustrar este documento, sejam precisamente de autores anónimos.

Em comum, os cartazes e a linguagem visual do período pré e pós 25 de Abril, possuem uma construção essencialmente simbólica que se constrói com base no reconhecimento generalizado desses elementos populares. Naturalmente, porque apesar das mensagens serem opostas e o contexto social muito diferente, seria complicado arrancar de um momento para o outro esse passado, e alterar por completo todo o carácter figurativo até então assimilado. O cartaz de João Abel Manta em que um elemento do povo troca de posição e se confunde com um elemento militar, é exemplificativo da utilização simbólica dos elementos: a arma do militar é trocada com o instrumento de trabalho do camponês. Outro exemplo, de Sérgio Guimarães, onde uma criança coloca um cravo no cano de uma arma, sendo este um dos primeiros exemplos do uso da fotografia produzida, cuja acção se tornaria mito da revolução. Um outro cartaz emblemático, da autoria de Vespeira, representa um jogo, semelhante
ao jogo do galo, mas aqui um jogo de linguagem entre POVO/VOTO. Este é um cartaz essencialmente tipográfico dizendo: “não o jogo da reacção, vota pela Revolução” – incita a participação activa no jogo. Sebastião Rodrigues assina também um cartaz onde a bandeira portuguesa se intersecta formando um V de Vitória, dizendo depois, simplesmente, 25 de Abril. Se pensarmos nestes exemplos todos, percebemos que os cartazes partidários que se seguiram são essencialmente não-figurativos, de rápida apreensão e essencialmente tipográficos. Nos cartazes não havia (como actualmente acontece) distinção ideológica
implicíta e eram inclusivé bastante pobres tanto na concepção gráfica como na mensagem transmitida.Parecia que o entusiasmo inicial se tinha esmorecido e era tempo agora de se falar de coisas sérias por isso não havia espaço para mensagens menos óbvias. Gradualmente a fotografia é apropriada de tal forma a ir arrumando as ilustrações de artistas plásticos de Abril. Excepção feita para os cartazes da UDP, muito característicos pelo uso de técnicas de
baixo custo como o stencil.

Por tudo isto, ser do contra pode passar por formas de fazer, de produzir. Na forma como fazemos, como produzimos linguagens, pode estar a resistência.

segunda-feira, setembro 18

Identidade e repressão

O Estado Novo foi um período da nossa história, em
que muitas vontades foram confiscadas. Como em
qualquer regime totalitário e opressivo, desenvolvem-se
pontos de fuga e oposição que aqui se tornaram
elementos construtivos da identidade portuguesa.
Mesmo em situações limite somos capazes de encontrar
pontos de fuga, mas que pontos de fuga existiram
neste período? De que forma se tornam relevantes
para o estudo do Design Gráfico?

Analisar o Estado Novo é também pensar nos Aparelhos
repressores do estado (Althusser) e pensar nas
formas em que os sujeitos (artistas gráficos, etc...) resistem.
Resistir é antes de mais ser consciente, crítico
e tomar posições. Tomar opções críticas é muito mais
do que nos inscrevermos num partido da oposição, ou,
no caso do Estado Novo, ser comunista. No período
Salazarista, o sujeito submete-se a uma autoridade
superior, sendo desprovido de liberdade e submetido
a um regime que determinará a sua acção sobre os
obje ctos. As imagens deste período permitem analisar
o sujeito enquanto instrumento produtivo, mesmo
que em condições de produção muito particulares.
Assim sendo, analisar ideologias sem contextos
parece impossível, da mesma forma que a forma está
subjugada por acções limitadoras.
As imagens Salazaristas advêem de uma doutrina
estadista que apelava para o orgulho e tinham por
objectivo uma linguagem simples e bastante literária,
onde a imagem funcionava como representação visual
do texto. Era tudo muito literal, não havia espaço
para ambiguidades ou mensagens pouco claras
e ía muito ao encontro das linguagens fascistas italianas
e alemãs: a tipografia era na sua maioria, não
serifada, pouco ornamental, e utilizando símbolos e
ícones propagandísticos. Isto no caso do cartaz, um
meio previligiado para a propaganda, porque noutros
objectos, esta tendência já não se torna comum.

O estado novo de Salazar, à semelhança de
outros regimes totalitários, investiu na formação e
na propaganda como nenhum outro. A criação do
Secretariado Nacional de Informação (SNI), anteriormente
denominado Secretariado Propaganda Nacional (SPN),
assim como de formas de recrutamento
juvenil, como a mocidade portuguesa, ajudaram a
produzir e a cultivar na mentalidade, noções fortes
de unidade em torno de um bem maior, a Pátria, o
Estado.
A ideologia fascista assenta em bases políticas
que anulam o individualismo (encarado como egoísmo)
a favor da unidade e do grupo, que estaria presente
no Estado, na Nação e no caso do Estado Novo,
na religião e na família: “A liberdade garantida pelo
estado, condicionada pela autoridade, é a única possível,
aquela que pode conduzir, não digo à felicidade
do homem, mas à felicidade dos homens...” (Salazar).
Esta unidade, era marcada, por exemplo, na defesa
da cultura popular, nas tradições, em trajes e indumentária
(fardas como as que existiram para a Mocidade
Portuguesa) e elementos simbólicos como foi o
caso do hino ou da bandeira. Todos estes elementos
iconográficos, serviram de elemento unificador entre
o indivíduo com o seu grupo (país) e não havia espaço
para minorias ou pontos de vista (visuais, individuais)
diferentes de uma maioria que se pretendia
grande e unida. O próprio Salazar era o exemplo disto,
anulava-se enquanto índivíduo deixando-se fotografar
poucas vezes e discursava sempre em nome de
um todo maior para o qual se sacrificava e para o qual
dedicava toda a sua vida– Portugal: “Peço desculpa de
ter escrito este prefácio. Não é que me envergonhe de
o ter feito; é que me roubou tempo de que eu precisava
para outras coisas.” (Oliveira Salazar in prefácio ao
livro sobre Salazar de António Ferro).
Como consequência deste tipo de pensamento,
Portugal tinha que se proteger de todos os males
que impossibilitavam de se tornar grande e unido. Os
nossos grandes inimigos seriam portanto, o exterior
(as influências socialistas e liberais europeias), os
agitadores intelectuais, a vontade/liberdade, a música
transgressora, os filmes moralmente polémicos,
as diferenças. Tudo o que pudesse agitar a calma e
serenidade de um povo trabalhador e pacato.

Actualmente já descobrimos que esta serenidade
nos transformou em pessoas com medo (José
Gil) e acomodadas (Eduardo Lourenço); mas nem por
isso os discursos que apelam para a “solidariedade
portuguesa” se alteraram. Temos medo da concorrência
e por isso temos tendência a proteger o que é Português,
ou simplesmente o que nos é/está próximo. É
natural. Gostamos de nos sentir ligados a uma comunidade,
comunidade essa que queremos proteger de
todas as adversidades e maldades exteriores. Como
crianças, temos medo dos malefícios exteriores, mas
também não resistimos a olhar, às escondidas, lá para
fora.
Muitas vezes esta relação altera-se e acontece
precisamente o oposto, sobrevaloriza-se ou tentasse
a todo o custo comparar, o caso português com o exterior
como se este exterior fosse uma unidade úni- terior
ca. Todas estas alterações de discursos exigem dos
designers (e dos portugueses) uma adaptação que é
difícil e confusa. Mesmo nascendo depois do 25 de
Abril, ainda há muito em nós uma procura de identidade,
que em alguns casos parece forçada. Como
se quisessemos a todo o custo resgatar uma identidade
“autêntica e genuína”. Não sabemos muito desta
identidade, o que nos parece é que, ela é fruto
de anos de repressão mas também de resistência e
redescoberta destas histórias e características. Se a
produção cultural desta época era fortemente marcada
pelo controle da PIDE, e aquilo que hoje nos
chega até nós são os objectos dos produtores estadistas
contratados por António Ferro, também é verdade
que haverá muito material gráfico que, por motivos
claros, dificilmente nos chega às mãos, porque nem
sequer chegava a sair à rua. Estas resistências vão-se
manifestando, por exemplo, na literatura a partir do
neo-realismo literário “imaginário literário habitado
pelo povo como herói, vítima da opressão burguesa e
motor de mudança”, exemplos disso são Fernando
Namora, José Saramago, Manuel da Fonseca, Alves
Redol, Afonso Ribeiro, José Gomes Ferreira, Vergílio
Ferreira, Mário Dionísio ou José Cardoso Pires. Na
pintura também existem exemplos desta corrente em
nomes como: Pomar, Lima de freitas, Almada, Vieira
da Silva, Eloy, Dacosta, entre outros.

Não haverá uma identidade portuguesa, até
porque isso sempre terá sido uma das grandes aspirações
do Estado Novo, mas haverá algumas características
inerentes em nós, fruto de muitas condicionantes
culturais, sociais e políticas que são só nossas e
que naturalmente não se podem importar.

domingo, setembro 3

Tenho uma carta escrita

Menina quero enviar esta carta para Portugal. Diga-me por favor o código postal.

Responde ela.
— Qual Portugal, meu Senhor? Aqui no computador aparece uma
localidade em Lagos, Algarve. Portas de Portugal, 8600-998 Lagos, é isso? Qual é a rua?

Não. É Portugal-Portugal.
— Portugal-Portugal não sei onde fica. Não vem aqui no computador.
Ah, está bem. Deixe estar. Obrigado.

Como um relâmpago atinge-me a tua inacessibilidade. O teu paradeiro incerto. Afinal que vou fazer? Tenho tanto para te dizer. E não há maneira de sequestrar por um momento que seja o teu ouvido, o teu olhar.

Resignado, rasgo a carta e coloco-a no cesto dos papeis, ali mesmo na estação de correios.

Paciência. Fica para a próxima, se houver próxima. Tudo é incerto. Vêm-me à mona as sábias palavras de um teu versejador caixa-de-óculos alcoólico, tímido, e esquizofrénico: a metafísica é uma consequência de se estar mal disposto.
A vida são dois dias e tristezas não pagam dívidas, como repetes à saciedade.
Desenganado desço a rua, ciente de que o velho se calhar já não vai por cá andar muito mais tempo. E eu? Quanto mais tempo terei? Foi uma pena. Era agora, agora ou nunca. Mas que se lixe. Velho, faz como entenderes.
Adeus até um destes dias.

Talvez.

Quem sabe?

©ouvido de maxwell http://www.ouvidodemaxwell.com/
onde ler e ouvir a versão completa desta carta

sexta-feira, setembro 1


a mima gosta do sebastião :)