terça-feira, novembro 28

Cotas ou notas marginais

Durante anos Portugal viveu uma ditadura, já sabemos. Durante anos, os designers (artistas/ilustradores gráficos) sabiam que nunca poderiam utilizar como linguagem, a clareza ou transparência de opiniões, porque ou perderiam trabalho, ou pior, seriam vítimas de perseguições políticas. Isto manifestou-se ao nível individual, primeiro que tudo, e consequentemente alastrou-se à prática. Só um indivíduo realmente livre poderá fazer um trabalho igualmente livre. Muitas vezes, os caminhos encontrados para fugir a esta encruzilhada, foram, como já vimos, caminhos paralelos ou marginais, feitos a partir de pequenos apontamentos mais ou menos visíveis. Nunca se podiam tomar caminhos contrários.
Com o 25 de Abril muita coisa muda, o discurso já não precisa de ser tímido ou disfarçado, e pode finalmente gritar, manifestar-se, impor-se. Acontece que, num país em que durante anos foi negado este direito, e depois da excitação inicial, passa naturalmente por uma adaptação a uma nova realidade. Somos finalmente livres, mas o que vamos fazer com o novo estado que adquirimos? Adquirimos realmente? Ainda há tanta coisa para finalmente poder reivindicar...
O design torna-se assim ferramenta da acção política e em nenhum momento da nossa história tinha­mos assistido a tamanha manifestação de opini­ão. A rua torna-se o espaço por excelência da expressão gráfica, todos os espaços, são espaços de manifestação. Recorre-se também a outros suportes diferentes do cartaz, como as pinturas murais, os stencils, os autocolantes... Não houveram regras e inclusivé os monumentos públicos foram usados como veículo de acção e propagação. Esta explosão de grafismo de rua é resultado, também, da escassez de meios e porque geralmente este tipo de comunicação é rápido e económico. Muitos destes cartazes surgiram por iniciativa individual, numa altura em que, produzir mensagens visuais tornava-se então, uma atitude tão espontânea como falar. Nos cafés, nos locais de trabalho, nas ruas, surgiam mensagens de populares e cidadãos anónimos, que, muitas vezes manualmente, escreviam as mensagens mais apaixonadas, cómicas e políticas. Além do consequente desenvolvimento de uma corrente vernacular, inconsciente, que ganhava características muito próprias e populares, nasciam também inúmeros cartazes de todos aqueles autores que até aqui, estavam mais ou menos encobertos, como é o caso de João Abel Manta. Num cartaz de 1975, uma nova versão dos cartazes de propaganda do SNI, ao Algarve, está escrito Turismo novo e SNI tem um riscado por cima. Abel Manta explora precisamente esta nova realidade pictórica da paisagem portuguesa, coberta de inscrições nas paredes. Este projecto mostra ao mesmo tempo uma reflexão sobre aquela que era a publicidade do regime (não a esquece) para a partir desta mostra a nova situação do país, proclamando também ele (autor e cartaz) os mesmos ideais políticos.
Esta viragem, até à altura nunca experimentada, permite aos designers desenvolver novos tipos de linguagem e usufruir de códigos que não possuíam. Isto levou tempo. Este período, imediatamente posterior ao 25 de Abril, foi por excelência, o período da inscrição, depois de anos de não inscrição. Mas podemos realmente, e depois de tantos anos de ditadura, passar para um cenário oposto? Parece-nos que, esta vontade de inscrição existiu de facto, nas inúmeras manifestações populares, mas passada a excitação/desilusão inicial voltamos ao que nos ensinaram ser. Ainda hoje, subsiste em nós esse esmagamento.
Porque será mais fácil escrever sobre o 25 de Abril? Talvez pela construção idealizada com que imaginamos os acontecimentos e, esta idealização, que temos sobre este determinado momento, que não vivemos, inspira-se sobretudo no material visual deste período. Este material conta histórias e vontades.

“No entanto, a libertação da ditadura deixou um vazio que viria a ser preenchido pela busca duma identidade nacional autêntica — redescobrindo ou reinventando a história de Portugal, desembaraçando a teia das diferenças étnicas e culturais, que tinham estado escondidas atrás de um verniz espesso de ideologia nacionalista. (...) Temos, no entanto que reconhecer, que a reflexão sobre a identidade nacional tem sido interpretada por vezes literalmente, pelo uso de capas com brilho para reflectir a vaidade do cliente — ou a cara do designer. (...) Há vinte cinco anos, o director de uma agência de publicidade poderia informar que não havia mercado para tal, no sentido moderno (em contrapartida houve e ainda há, felizmente, bastantes mercados no país com verdadeira fruta e legumes, não normalizada, porém belíssima de se ver e ainda melhor de se saborear.” Robin Fior, 1999

Com a entrada de Portugal para a CEE, para o Mundo que lhe estava vedado, muitos temeram a normalização. Com o desenvolvimento tecnológico, as primeiras escolas de ensino de Design de Comunicação, separado das artes visuais, o design português finalmente podia olhar lá para fora e tentar importar material e estilos. Esta revolução torna-se então digital. O design é um indicador do estado das coisas e da forma como a sociedade absorve a inovação(ou talvez seja a novidade), porque tenta sempre actualizar-se. E em Portugal, cresce a obsessão por compensar o tempo perdido com a ditadura Nacionalista. Perde-se gradualmente a militância, a euforia dá lugar à depressão e à quebra dos laços de identidade, que anteriormente eram forçados em simbologias nas quais já não nos revemos, e às quais tentamos escapar.

sábado, novembro 25

Jovens criadores

Depois do curso acabado, 5 dias no Montijo. Todos perguntaram: – então e agora?! Pois agora... lá se encolhiam os ombros e mostrava-se um sorriso nervoso.

Cinco dias em que se conheceu e conversou com todo o tipo de pessoas: simpáticos, antipáticos, faladores, tímidos, egocêntricos, conhecedores, arrogantes, excêntricos, ressentidos, desanimados, sonhadores, .... Cinco dias em que se encontraram muito mais afinidades com não-designers. Porque será?

Um dia em que tudo era estranho para uns e tão familiar para outros.
Outro dia em que se falam dos trabalhos com orgulho, com insegurança, com dúvidas, com memórias decoradas do projecto descritos de uma forma profissional e convincente.
Outro dia em que se avista o pior cenário possível do país, em que nos dizem que muitos daqueles trabalhos de design, académicos, nunca poderão vingar lá fora (o mercado em Portugal), muitas vezes por estupidez dos clientes. Não quero acreditar naquilo que ouço, faço de conta que não ouço. Diz-se que o atributo mais valorizado em design gráfico é a eficácia. Fico a pensar em que se concretizará a ideia de eficácia. Acho que aquilo que ele diz não faz sentido e é um discurso muito triste.
Depois dizem eles, foi fácil separar o trigo do joio, é fácil seleccionar, escolher. Nada complicado. Discute-se se os currículos terão ou não importância nas decisões. Há quem assuma que sim, outros, facilmente, dizem que não.

Há noite bebem-se copos no Kaxaça, depois de espectáculos de dança e de desfiles de moda. Tiram-se fotos obsessivamente.
No final despedem-se: – encontramo-nos no Egipto. (?!)


Ao voltar para Lisboa, e depois para as Caldas, penso em tudo aquilo que tenho para arrumar e terminar de fazer antes de me ir embora. A Joana diz-me que nas Caldas já não dá luta, que é altura de ir embora. Percebo que ela tem toda a razão.

terça-feira, novembro 21

depois da licenciatura acabada...



é este o novo livro de cabeceira. neste momento o capítulo "how to find a job" é o mais lido.

quinta-feira, novembro 9

A boa justificação


Anónimo, 1974

“É da boa justificação que depende não somente a rapidez da impressão como até a própria perfeição do trabalho, quer ele seja de obra de livro, quer de fantasia. (...) Na arte tipográfica, a composição de cheio é o primeiro exercício prático do aprendiz-compositor, depois de saber bem a caixa e distribuir desembaraçadamente. (...) Há compositores, não obstante a sua longa prática, que espacejam muito bem, e, todavia, não sabem justificar.”
– Manuel Pedro, Guia profissional do tipógrafo, 1949

Agosto é um mês muito quente. Agosto é mês de férias. Em Agosto não apetece trabalhar. Boas justificações. Precisamos de justificações? Passamos a vida a arranjar constantes justificações para aquilo que somos e para aquilo que fazemos. Não fui avaliada em Setembro porque resolvi ir apanhar fruta para a Usseira. Muitas vezes não são mais do que meras desculpas porque queremos adiar e porque temos medo. Constantemente arranjamos boas (sempre boas) justificações para tudo aquilo que corre mal, não sabemos ao certo porquê: a impressão que nunca corre como o desejado, as expectativas que nunca são vingadas, o trabalho que se atrasa constantemente, aquilo que queremos é sempre diferente do que conseguimos.
Justifica-se sempre de inúmeras formas sempre dizendo que a culpa é sempre de determinados factores, factores invariáveis e com os quais não contávamos.

Uma das inúmeras justificações no comportamento português tem origem no Salazarismo. Somos assim porque o Salazarismo nos tornou assim. José Gil diz que o salazarismo foi um período da anulação da existência individual, e que actualmente se passa o contrário, procuramos reconhecimento e formas de identificação, de expressão, mesmo que forçadas: “a aprendizagem da democracia é também uma aprendizagem da expressão”. Depois de anos de invisibilidade, nasceu então um novo tipo que pretende tornar visível uma prática até então invisível. Tornar visível não tem que significar necessáriamente promover.

Ainda hoje, há muitos designers, com discursos, semelhantes à opinião de Cândido Costa Pinto, em 1941. Dizer que os designers têm que ter uma cultura vastíssima, quem não concorda com isto? Mas como se chega até aí? Existem os caminhos comuns: ler muito, ou dizer que se lê muito, demonstar que se sabe o que se deveria ler, responder a perguntas preguiçosas que explicam que lemos, vimos e ouvimos aquilo que é suposto. Corresponder inteiramente à ideia de cultura, que não é mais do que, uma redução partilhada por um grupo que se pretende uniformizado. Um amigo, diz muitas vezes: mas vocês só ouvem música design? Música design, significa, neste contexto, música da moda. Há uma resposta muito boa para isso, ensinada no primeiro ano nesta escola: um cavalo e um burro podem ter mais semelhanças entre si do que dois cavalos ou dois burros.
Ter uma cultura vastíssima é muito mais complicado do que aquilo que à partida pode parecer. É assustadora a preocupação de saber tudo. Esta é uma justificação sincera para o que não sabemos: se tivessemos que estar sempre a par de todas as novidades da praça e reagir entusiasticamente, estariamos sempre num estado constante de histeria. Porque tudo pode ser realmente bom e importante. Mas é fisicamente incomportável.

A cultura é como as pessoas, muito mais complicada do que uma lista inumerada de características mais ou menos previsíveis. Cândido Costa Pinto diz ainda que temos que ser Psicólogos, até defendemos a psicologia profissional, ou seja, como auxiliar à crítica, a psicologia profissional conseguiria por os designers a falar das coisas. Isto não seria inteiramente mau. Agora tentarmos ser psicólogos dos outros (público, clientes) é que não!

Outro nome para a justificação, poderia ser o choradinho. A argumentação de todos os problemas e angústias profissionais, quando trazida a público, sujeita o designer à vitimização do tempo, da técnica, do orçamento, do cliente, do público, dos contextos. Toda a história, todo o trabalho, tem problemas infindáveis. Muitos deles serviram de motor de arranque para os superar activamente. Quantas tragédias não serviram de viragem nestas histórias? Sabiamente, alguém dizia que, quando se está bem a tendência é manter-nos confortavelmente no nosso cantinho, deixamo-nos ficar... Se não estamos, e não cultivamos esse sofrimento, tentamos sempre fazer melhor.

quarta-feira, novembro 1

agora em livro