domingo, setembro 3

Tenho uma carta escrita

Menina quero enviar esta carta para Portugal. Diga-me por favor o código postal.

Responde ela.
— Qual Portugal, meu Senhor? Aqui no computador aparece uma
localidade em Lagos, Algarve. Portas de Portugal, 8600-998 Lagos, é isso? Qual é a rua?

Não. É Portugal-Portugal.
— Portugal-Portugal não sei onde fica. Não vem aqui no computador.
Ah, está bem. Deixe estar. Obrigado.

Como um relâmpago atinge-me a tua inacessibilidade. O teu paradeiro incerto. Afinal que vou fazer? Tenho tanto para te dizer. E não há maneira de sequestrar por um momento que seja o teu ouvido, o teu olhar.

Resignado, rasgo a carta e coloco-a no cesto dos papeis, ali mesmo na estação de correios.

Paciência. Fica para a próxima, se houver próxima. Tudo é incerto. Vêm-me à mona as sábias palavras de um teu versejador caixa-de-óculos alcoólico, tímido, e esquizofrénico: a metafísica é uma consequência de se estar mal disposto.
A vida são dois dias e tristezas não pagam dívidas, como repetes à saciedade.
Desenganado desço a rua, ciente de que o velho se calhar já não vai por cá andar muito mais tempo. E eu? Quanto mais tempo terei? Foi uma pena. Era agora, agora ou nunca. Mas que se lixe. Velho, faz como entenderes.
Adeus até um destes dias.

Talvez.

Quem sabe?

©ouvido de maxwell http://www.ouvidodemaxwell.com/
onde ler e ouvir a versão completa desta carta