segunda-feira, setembro 18

Identidade e repressão

O Estado Novo foi um período da nossa história, em
que muitas vontades foram confiscadas. Como em
qualquer regime totalitário e opressivo, desenvolvem-se
pontos de fuga e oposição que aqui se tornaram
elementos construtivos da identidade portuguesa.
Mesmo em situações limite somos capazes de encontrar
pontos de fuga, mas que pontos de fuga existiram
neste período? De que forma se tornam relevantes
para o estudo do Design Gráfico?

Analisar o Estado Novo é também pensar nos Aparelhos
repressores do estado (Althusser) e pensar nas
formas em que os sujeitos (artistas gráficos, etc...) resistem.
Resistir é antes de mais ser consciente, crítico
e tomar posições. Tomar opções críticas é muito mais
do que nos inscrevermos num partido da oposição, ou,
no caso do Estado Novo, ser comunista. No período
Salazarista, o sujeito submete-se a uma autoridade
superior, sendo desprovido de liberdade e submetido
a um regime que determinará a sua acção sobre os
obje ctos. As imagens deste período permitem analisar
o sujeito enquanto instrumento produtivo, mesmo
que em condições de produção muito particulares.
Assim sendo, analisar ideologias sem contextos
parece impossível, da mesma forma que a forma está
subjugada por acções limitadoras.
As imagens Salazaristas advêem de uma doutrina
estadista que apelava para o orgulho e tinham por
objectivo uma linguagem simples e bastante literária,
onde a imagem funcionava como representação visual
do texto. Era tudo muito literal, não havia espaço
para ambiguidades ou mensagens pouco claras
e ía muito ao encontro das linguagens fascistas italianas
e alemãs: a tipografia era na sua maioria, não
serifada, pouco ornamental, e utilizando símbolos e
ícones propagandísticos. Isto no caso do cartaz, um
meio previligiado para a propaganda, porque noutros
objectos, esta tendência já não se torna comum.

O estado novo de Salazar, à semelhança de
outros regimes totalitários, investiu na formação e
na propaganda como nenhum outro. A criação do
Secretariado Nacional de Informação (SNI), anteriormente
denominado Secretariado Propaganda Nacional (SPN),
assim como de formas de recrutamento
juvenil, como a mocidade portuguesa, ajudaram a
produzir e a cultivar na mentalidade, noções fortes
de unidade em torno de um bem maior, a Pátria, o
Estado.
A ideologia fascista assenta em bases políticas
que anulam o individualismo (encarado como egoísmo)
a favor da unidade e do grupo, que estaria presente
no Estado, na Nação e no caso do Estado Novo,
na religião e na família: “A liberdade garantida pelo
estado, condicionada pela autoridade, é a única possível,
aquela que pode conduzir, não digo à felicidade
do homem, mas à felicidade dos homens...” (Salazar).
Esta unidade, era marcada, por exemplo, na defesa
da cultura popular, nas tradições, em trajes e indumentária
(fardas como as que existiram para a Mocidade
Portuguesa) e elementos simbólicos como foi o
caso do hino ou da bandeira. Todos estes elementos
iconográficos, serviram de elemento unificador entre
o indivíduo com o seu grupo (país) e não havia espaço
para minorias ou pontos de vista (visuais, individuais)
diferentes de uma maioria que se pretendia
grande e unida. O próprio Salazar era o exemplo disto,
anulava-se enquanto índivíduo deixando-se fotografar
poucas vezes e discursava sempre em nome de
um todo maior para o qual se sacrificava e para o qual
dedicava toda a sua vida– Portugal: “Peço desculpa de
ter escrito este prefácio. Não é que me envergonhe de
o ter feito; é que me roubou tempo de que eu precisava
para outras coisas.” (Oliveira Salazar in prefácio ao
livro sobre Salazar de António Ferro).
Como consequência deste tipo de pensamento,
Portugal tinha que se proteger de todos os males
que impossibilitavam de se tornar grande e unido. Os
nossos grandes inimigos seriam portanto, o exterior
(as influências socialistas e liberais europeias), os
agitadores intelectuais, a vontade/liberdade, a música
transgressora, os filmes moralmente polémicos,
as diferenças. Tudo o que pudesse agitar a calma e
serenidade de um povo trabalhador e pacato.

Actualmente já descobrimos que esta serenidade
nos transformou em pessoas com medo (José
Gil) e acomodadas (Eduardo Lourenço); mas nem por
isso os discursos que apelam para a “solidariedade
portuguesa” se alteraram. Temos medo da concorrência
e por isso temos tendência a proteger o que é Português,
ou simplesmente o que nos é/está próximo. É
natural. Gostamos de nos sentir ligados a uma comunidade,
comunidade essa que queremos proteger de
todas as adversidades e maldades exteriores. Como
crianças, temos medo dos malefícios exteriores, mas
também não resistimos a olhar, às escondidas, lá para
fora.
Muitas vezes esta relação altera-se e acontece
precisamente o oposto, sobrevaloriza-se ou tentasse
a todo o custo comparar, o caso português com o exterior
como se este exterior fosse uma unidade úni- terior
ca. Todas estas alterações de discursos exigem dos
designers (e dos portugueses) uma adaptação que é
difícil e confusa. Mesmo nascendo depois do 25 de
Abril, ainda há muito em nós uma procura de identidade,
que em alguns casos parece forçada. Como
se quisessemos a todo o custo resgatar uma identidade
“autêntica e genuína”. Não sabemos muito desta
identidade, o que nos parece é que, ela é fruto
de anos de repressão mas também de resistência e
redescoberta destas histórias e características. Se a
produção cultural desta época era fortemente marcada
pelo controle da PIDE, e aquilo que hoje nos
chega até nós são os objectos dos produtores estadistas
contratados por António Ferro, também é verdade
que haverá muito material gráfico que, por motivos
claros, dificilmente nos chega às mãos, porque nem
sequer chegava a sair à rua. Estas resistências vão-se
manifestando, por exemplo, na literatura a partir do
neo-realismo literário “imaginário literário habitado
pelo povo como herói, vítima da opressão burguesa e
motor de mudança”, exemplos disso são Fernando
Namora, José Saramago, Manuel da Fonseca, Alves
Redol, Afonso Ribeiro, José Gomes Ferreira, Vergílio
Ferreira, Mário Dionísio ou José Cardoso Pires. Na
pintura também existem exemplos desta corrente em
nomes como: Pomar, Lima de freitas, Almada, Vieira
da Silva, Eloy, Dacosta, entre outros.

Não haverá uma identidade portuguesa, até
porque isso sempre terá sido uma das grandes aspirações
do Estado Novo, mas haverá algumas características
inerentes em nós, fruto de muitas condicionantes
culturais, sociais e políticas que são só nossas e
que naturalmente não se podem importar.

1 Comments:

Blogger Artur Santos Silva said...

Afinal Salazar era maçon, de acordo com o livro «Salazar, o maçon» da Bertrand Editora, publicitado neste site http://nao-ficcaoportuguesa.blogspot.com/2009/03/novidade-em-abril.html e também à venda aqui: http://www.leiloes.net/SALAZAR-O-MAON-,name,2659342,auction_id,auction_details

18/3/09 3:01 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home