segunda-feira, fevereiro 19

Cartão de visita


Anónimo. Diário de Lisboa, 1979

“O trabalho do cartão de visita, apesar de muito fácil, está também sujeito a regras técnicas como qualquer trabalho de grande vulto.”
MANUEL PEDRO, Guia profissional do tipógrafo, 1949

E o cartão de visita de uma nacionalidade? O cartão é mais prático. Não deixa ficar mal o sujeito, que em qualquer situação o tira da sua carteira de couro, ou marca estrangeira, e sugere a troca ao ilustre anónimo que acabara de conhecer. Agora já nos conhece­mos, tenho o seu contacto, para o que der e vier. Pequeno, sucinto, tem o essencial e não permite demasiadas conclusões. O cartão de visita de Portugal, foi de composição simples, mas complexa. Não. Perdão. O cartão de visita, tinha frente e verso.

“E isso imediatamente me levou à ideia de que o português é um ser complexo, do qual, para sermos simples, podemos dizer que é pelo menos duplo, aplicando a palavra, que em português tem má nota, duplicidade ao nível de muito bom. Podemos dizer que uma das virtudes do português é a duplicidade, que geralmente é apontada como um defeito em toda a gente, porque se relaciona com a palavra hipócrita. Coisa curiosa também, porque em grego hipócrita quer dizer apenas o actor. O actor que não era sinceramente ele, pois claro, que era um hipócrita. Assim o hipócrita é um actor, que é actor na vida e que tomou um sentido completamente diferente depois, quando a vida começou a ser alguma coisa mais atenta ao ganho, muito mais atenta à conquista de um objectivo do que ao desenvolvimento da personalidade.”
AGOSTINHO DA SILVA, Vida Conversável.

Para a frente do cartão de visita de Portugal, tinha a capital, Lisboa, no verso tinha a paisagem.
Cartão de visita é a primeira imagem, não se questiona (?) Cartão de visita é entregue a quem nos desconhece, é imagem projectada para o exterior. Era a exportação de um país? O cartão podia ser cartonado, impresso com as melhores técnicas e tintas, mas todo o cartão tem um verso. E o verso de Portugal era maior, em dimensão, tinha mais constituintes que a frente do mesmo. Maior, menos compreendido, menos acompanhado e menos esclarecido, por isso durante muito tempo não exigiu ser e constar à fren­te. Não exigiu a minúcia de trato de uma cabeça de capítulo. Digamos que o verso, foi matéria marginal, não representada, porque representada em ordem qualitativamente prejudicial. Aqui o cartão de visita era o objecto gráfico em lugar da materialização de valores e considerações.